DE VOLTA AO ALTAR DOS VIVOS E DOS MORTOS

Certa manhã, alguns meses atrás, peguei meu telefone celular e vi esta manchete: “HORROR: TIROTEIO EM MASSA EM BALADA LGBT NO COLORADO – 5 MORTOS, 18 FERIDOS”. Pela primeira vez em incontáveis tiroteios em massa, esse trágico tormento americano que parece crescer em frequência, guardei meu telefone e decidi não ler os detalhes de mais essa tragédia. Não foi fácil, mas eu não queria ouvir outro pedido de “orações”, enquanto o próximo atirador em massa lustrava sua arma de guerra não regulamentada na escuridão de algum lugar. Eu estava ficando sem compaixão, mas com muita indignação. Eu não estava preparado para mais uma reportagem que mostrava a profundidade da perversidade em que o coração humano pode afundar.

Enquanto eu desviava o olhar desse noticiário perturbador, havia algo muito mais sombrio do qual eu não conseguia escapar, e eu não poderia navegar para longe disso como se estivesse em alguma página da Internet. Tive a sensação de que o coração humano perverso que matou aquelas pessoas numa balada do Colorado na noite anterior é o mesmo coração que costumava bater em mim. O pensamento me horrorizou e recuei. Gostaria de pensar que sou diferente e que não seria capaz de tal crime, mas nada poderia estar mais longe da verdade. Sem o novo coração que Deus me deu quando aceitei a Cristo como meu Salvador, eu seria capaz de qualquer coisa.

O coração da questão

O coração humano não regenerado é realmente algo para ser avaliado. Ele é capaz de atos maravilhosos de amor e bondade, como aquela pessoa do TikTok que dá dinheiro a estranhos gentis ou aquela outra que alimenta os famintos das ruas de Mumbai. Há coisas boas para serem vistas em nosso mundo, mas temos que admitir que o mal também se manifesta onde quer que olhemos. Onde quer que ações covardes sejam perpetradas, corações humanos perturbados estão em ação.

Francamente, a Bíblia não tem muito a dizer sobre corações humanos que não são oferecidos em sacrifício a Deus. Deus, por meio de Jeremias, declara: “"Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo?” (Jr 17:9). O coração referido aqui não é aquilo que bate em nosso peito, mas em nossa cabeça – o “cérebro coração”, a sede do nosso pensamento e o centro de nosso ser moral e intelectual, a fonte de onde os nossos desejos fluem. Jesus deixou a questão ainda mais clara quando observou: “A pessoa boa tira o bem do bom tesouro do coração, e a pessoa má tira o mal do mau tesouro; porque a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6:45).

Um Vivo Morrendo

Por possuirmos um coração tão poluído e tão fora de sintonia com Deus, não temos absolutamente nenhuma esperança de produzir qualquer tipo de boa obras A Bíblia não nos diz para mimarmos o nosso coração, ou convertê-lo, reformá-lo ou regenerá-lo. Ela nos convida a matá-lo. O apóstolo Paulo nos implora para oferecer o nosso “corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto racional de vocês” (Rm 12:1). Na antiga economia espiritual judaica, os sacrifícios bíblicos eram levados vivos para o templo e depois imolados pelos sacerdotes que ministravam no templo. Paulo inverte os requisitos sacrificiais da lei mosaica e pede uma “morte viva”. Ele está dizendo a todos os que desejam seguir a Cristo: “Viva fisicamente, mas morra de todas as outras maneiras! ” Lance tudo mais – ideias, pensamentos, ações, comportamentos, desejos, prazeres, dores – no altar do sacrifício a Deus.

Mas o que tudo isso tem a ver com mordomia? Em uma palavra, TUDO! Mordomia é vida, é um exercício de viver e morrer. O ato de cuidar dos dons e dos recursos de Deus é uma forma de viver, uma forma de ser, uma forma de caminhar com Deus e uma forma de morrer para tudo o que não é de Deus! Observe a profundidade do apelo de Ellen White para a transformação do coração na seguinte citação extraída de uma carta que ela escreveu a um líder que era um pobre mordomo dos recursos de Deus: “Que a oração ´Cria em mim um coração puro, ó Deus´ (Sl 51:10) suba a Deus, pois uma alma pura e purificada tem a Cristo habitando com ela e nela. E é da abundância do coração que procedem as saídas da vida. A vontade humana deve ser entregue a Cristo. Em vez de passar adiante, fechando o coração no egoísmo, é preciso abrir o coração às doces influências do Espírito de Deus. A religião prática exala sua fragrância por toda parte. É um cheiro de vida para vida”.[i] A menos que os nossos corações sejam conduzidos sob a influência de Cristo, por meio da submissão da nossa vontade ao Espírito Santo, não podemos ser mordomos de Deus.

Ellen White faz outro comentário: “Somente quando os motivos cristãos são plenamente reconhecidos e a consciência é despertada para o dever, quando a luz divina faz impressão sobre o coração e o caráter, que o egoísmo é vencido, e o espírito de Cristo é exemplificado. O Espírito Santo, trabalhando no coração e no caráter do homem, expulsará toda a tendência para cobiça, para o procedimento enganoso. [...][ii]

Sejam transformados

Mais especificamente, Paulo encorajou os crentes em todos os lugares a serem transformados pela renovação de suas mentes (Rm 12:1). Ellen White apoiou a afirmação de Paulo quando escreveu: “A mente controla o homem todo. Todas as nossas ações, boas ou más, têm sua origem na mente. É a mente que adora a Deus e nos põe em contato com os seres celestiais”.[iii] A mente é o coração de uma vida de mordomia para Deus! Não apenas isso, mas “É lei do espírito adaptar-se ele gradualmente aos assuntos de que é ensinado a ocupar-se. Se ele se ocupa apenas com coisas comuns, tornar-se-á definhado e enfraquecido. Se nunca lhe é exigido atracar-se com problemas difíceis, quase perderá depois de algum tempo a faculdade de crescimento”.[iv] Ellen White continua observando que nada “metamorfoseará” tanto a mente humana quanto o tempo gasto na presença e na Palavra de Deus.

Esta verdade está no cerne da iniciativa “De Volta ao Altar” que está sendo lançada na Igreja Adventista do Sétimo Dia. Uma pesquisa recente entre os adventistas revelou que apenas 52% deles têm uma vida devocional pessoal, e apenas 37% das famílias adventistas fazem o culto matutino e vespertino. Se existem tantos adventistas que não estão cuidando dos seus altares de adoração, como poderemos esperar nos converter nos mordomos dinâmicos de que Deus precisa em um mundo que perece? As pessoas transformadas não têm problemas em doar com alegria (2Co 9:7) ou em ser mordomos fiéis (1Co 4:2). Tudo pertence a Deus!

A coisa mais importante

Se há uma coisa que os líderes de mordomia devem fazer para desenvolver seguidores de Deus que administrem fielmente seus dons e recursos a serviço de Deus é incentivar os membros a passarem tempo – manhã, noite e todo o tempo intermediário – em comunhão com Deus! Essa é a primeira e mais importante coisa! Isso pressupõe, é claro, que os líderes liderem dando o exemplo. Se o líder não estiver adorando a Deus fielmente no altar da família, ele não terá condições promover o que não está fazendo. Mordomos dinâmicos lideram dando exemplo.

Em segundo lugar, os líderes devem encorajar os membros a “construir seus altares” em um horário e local específicos. Quando os israelitas foram libertados do cativeiro egípcio, Deus ordenou a Moisés que dissesse ao povo: “Ofereça um cordeiro de manhã e o outro, ao crepúsculo da tarde” (Êx 29:39). Deus estava estabelecendo uma estrutura de prioridades na vida do Seu povo. O sacrifício era oferecido em um horário específico (manhã/tarde) e local (o templo). Deus deveria ser o primeiro, o último e o melhor quanto ao uso do tempo, talentos, recursos e afeições. Como líderes de mordomia, devemos incentivar os membros a marcar um horário para se encontrarem com Deus cada manhã e cada noite. A adoração matinal é o início de uma conversa ininterrupta com Deus que deve continuar durante todo o dia, até que nos encontremos com Deus novamente à noite. A vida devocional compartimentalizada – relegada a alguns momentos fugazes a cada dia – não é suficiente. Devemos começar pela manhã com Deus e ficar com Ele o dia todo. Só assim seremos administradores fiéis dos Seus dons, talentos e recursos.

Em terceiro lugar, encoraje os membros a terem uma vida mais tranquila, especialmente quanto ao lugar onde se encontrarão com Deus. Satanás não quer que as pessoas adorem a Deus. Ele fará tudo o que estiver ao seu alcance para impedir que nos encontremos com Deus diariamente. De acordo com vários estudos recentes, nossos telefones celulares/smartphones são algumas das maiores distrações que enfrentamos na vida. Diz-se que o usuário médio das redes sociais passou duas horas e 27 minutos por dia nas mídias sociais em 2022, enquanto um estudo de 2020 relatou que as pessoas usaram esses dispositivos móveis por mais de 50% do tempo passado na internet. Embora esses aparelhos possam ser usados para aprimorar a adoração, podemos ter maiores benefícios buscando a Deus no modo analógico. Mostre aos membros como ter experiências vibrantes de adoração devocional com Deus que não dependam exclusivamente do uso da mídia. Isso não será fácil, mas essa higiene espiritual digital é terapêutica para os seguidores modernos de Deus.

Finalmente, exponha os membros à vida de adoração a Jesus. Ellen White escreveu sobre Ele: “A Majestade do Céu, enquanto empenhada em Seu ministério terrestre orava muito a Seu Pai. Frequentemente, ficava de joelhos a noite toda em oração. Seu espírito muitas vezes Se entristecia ao sentir os poderes das trevas deste mundo, e ele deixava a cidade movimentada e a multidão barulhenta para procurar um lugar isolado para fazer suas intercessões. [...] Toda a noite, enquanto os Seus seguidores estavam dormindo, o seu divino Mestre estava orando. A geada e orvalho da noite caíam sobre Sua cabeça curvada em oração. Seu exemplo foi deixado para os Seus seguidores”.[v] Se Jesus, o Mordomo Supremo, valorizava tanto o tempo com Seu Pai, certamente deveríamos seguir Seu exemplo!


[i] Ellen G. White, Letters and Manuscripts, v. 9 (Silver Spring, MD: Ellen G. White Estate, 1894), LT 31A.

[ii] Ellen G. White, Conselhos sobre Mordomia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 187.

[iii] Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 1, p. 72.

[iv] Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 2, p. 418

[v] Ellen G. White, Gospel Workers (Battle Creek, MI: Review and Herald Pub. Assn., 1892), p. 106.

Dwain N. Esmond

Dwain N. Esmond, PhD (estudante) é escritor, editor e pastor ordenado. Atualmente, serve como Diretor Associado/Editor do Ellen G. White Estate, Inc. e como líder evangelista na iniciativa global de adoração “De Volta ao Altar” da Igreja Adventista do Sétimo Dia.